Pelas conversas durante a festa da noite anterior, a previsão de vento era de SE e a rampa indicada seria a de Whitwell, a cerca de uma hora da rampa de Lookout, num vale aproximadamente paralelo ao vale de Lookout. Este vale é bastante famoso em termos de vôo-livre nos EUA. Chamado de Sequatchie Valley, este vale foi um dos berços do vôo de asa-delta nos EUA e existe toda uma cultura local em torno da asa. Isso é muito legal de ver. O vôo de asa é respeitado na comunidade, os pilotos são responsaveis e se preocupam com a manutenção dos locais de decolagem, procurando incomodar ao mínimo possível os moradores das vizinhanças das rampas e dos pousos. A associação de vôo-livre local é chamada de Tenessee Tree-Toppers (http://www.treetoppers.org/) e é uma das mais antigas dos EUA. "Tree-toppers" faz alusão a voadores de "topo de árvore", expressão normalmente associada a pilotos que voam baixo para evitar, digamos, monitoramento de suas atividades nem sempre legais. Mas no caso da asa-delta, às vezes voar baixo sobre árvores é o que nos resta, como aliás seria demonstrado naquele dia.
O Sequatchie Valley se estende por cerca de 80 Km entre as cidades de Jasper até a cidade de Litton, com desfiladeiros bastante parecidos com os penhascos da rampa de Brasília, com gaps semelhantes ao passaporte, e com a decolagem a partir de um platô muito plano. Não foi possível voar acima dos platôs, pois, como veríamos durante o vôo, o teto não permitiria. O desnível é de cerca de 600 mts ao longo de praticamente todo o vale. A rampa de Whitwell fica sobre o trecho do vale onde está a cidade de Dunlap. O vale todo tem apenas duas rampas, a cerca de 30 Km uma da outra: Whitwell e Henson´s Gap. Whitwell fica voltada para o quadrante Sul-Sudeste, em um dos lados do desfiladeiro, enquanto que Henson´s Gap está voltada para o Norte-Noroeste. Com isso, o lado do desfiladeiro onde fica a rampa de Whitwell tende a começar a exibir atividade térmica mais cedo, enquanto que Henson´s Gap se aproveita melhor da atividade térmica na parte da tarde.
Abaixo o visual da rampa de Whitwell, que para falar a verdade não é bem uma rampa. É mais um gramadinho que termina num degrau de pedra razoavelmente plano. É uma decolagem técnica pois há pouco espaço para correr. Deve ser melhor decolar de lá com vento forte, no entanto isso gera outro problema, o vento não é muito laminar no degrau e faz-se necessário auxílio cabo com qualquer vento de mais de 10 kt. Na terceira foto temos o panorama olhando para baixo a partir do degrau. Dá para perceber que é um paredão de pedra então o vento não entra muito bem mesmo. Pelo menos o desnível abaixo da rampa é bem confortável para qualquer necessidade de recuperação. Aliás eu bem que precisei desse perdão...
Quando eu Konrado e Mike Barber chegamos na rampa, cerca de 5 outros pilotos locais já estavam montados, entre eles Terri Presley, que faria o vôo conosco. A maioria dos pilotos voava asas intermediárias, e apenas Terri e nós estávamos voando de top-less. Aliás aquele seria meu primeiro vôo com uma Litespeed RS 3.5, que o Mike estava me emprestando. Depois de Uma semana voando de bacalhau eu iria passar direto para a asa mais arisca da linha da Moyes, então botei na cabeça de que teria que estar atento com a preparação do vôo. Montamos sob pressão pois todos estavam falando que a hora era aquela e que depois ficaria ainda mais fraco. Consegui montar a asa e entrei na fila atrás do Konrado e do Mike.
Konrado levou muito tempo para decolar. Dois americanos estavam dando um auxílio-cabo pois o vento havia aumentado um pouco. Eu estava ansioso, achando a asa do Mike muito pequena, apreensivo com a decolagem. Mas a decolagem do Konrado foi ótima e ele pareceu ter tomado uma baforada para cima chegando a ficar momentaneamente mais alto do que a rampa. No entanto, ele optou por voar para a esquerda, ao longo da cordilheira e vimos que ele foi perdendo altura ao longo do barranco e só parou para enroscar a uns 5 km dali, mesmo assim sem render muito.
Depois foi a vez do Mike que decolou mergulhando um pouco e novamente recuperando acima da rampa e tirando para onde estava o Konrado. Fiquei ali sozinho com os cabos me dando uma força. Eles são muito técnicos quanto ao cabo e ficam falando "down", "up" e "neutral" relatando as forças que estão sentindo no cabo e possibilitando ao piloto decolar quando os dois lados estejam reportando neutro. Isso é um procedimento que deveria ser adotado no Brasil.
Quando fiquei neutro resolvi decolar, mas querendo imprimir muita energia rapidamente devido à pequena área de corrida, deixei o bico subir demais e acabei decolando meio estolado. Do meu ponto-de-vista, tava tudo ok pois eu sabia que iria recuperar no mergulho e o desnível imediato era mesmo muito folgado, mas eu devo ter proporcionado um certo frio na barriga aos espectadores na rampa! Após o mergulho eu recuperei tudo de volta imediatamente com o vario já berrando com a forte recuperação, e eu também fui mais alto que a rampa, quer dizer, mesmo levando em conta o efeito ascendente do vento ali na frente, a retenção de energia dessas asas top-less é realmente impressionante. Logo notei que a Litespeed RS era ainda mais dura do que minha Litespeed S, com certeza devido à sua maior razão de alongamento (aspect ratio). Minha idéia desde a decolagem era de rodar na cara da rampa, eu ainda não tinha entendido porque o Konrado e o Mike tinham se afastado da rampa tão rapidamente.
A foto abaixo mostra bem como é crítica a decolagem em Whitwell. Esta foi tirada pelo Konrado e mostra exatamente o ponto onde consegui minha primeira térmica.
Uma pequena digressão: na minha experiência é curioso notar que as rampas 90% das vezes, são locais de gatilhos de térmicas. A éxplicação razoável para isso seria pensar que é por isso mesmo que resolveram fazer rampas nesses lugares. No entanto sabemos que muitas vezes os locais de escolha de rampas dependem de acessos por estrada, autorizações, etc, então nem sempre é um lugar escolhido a dedo. Mesmo assim, muito mais frequentemente do que não, temos uma house-thermal morando ao lado das rampas. Talvez elas gostem de morar ao lado das rampas, ou talvez os pequenos descampados que são feitos para o local da rampa tenha algum efeito secundário, enfim, sei lá...
Nessa hora vimos um planador passando voando bem baixinho e ameaçando juntar-se à nossa térmica, perspectiva nunca muito confortável, mas logo ele seguiu o caminho dele. Essa foto do planador tambem foi tirada pelo Konrado.
Os dados deste vôo estão disponíveis no seguinte link:
http://www.xcbrasil.org/modules.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=7771
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