Saturday, May 24, 2008

Vôo no Tenessee: Whitwell

Depois de uma semana pastando no Wallaby e 3 dias voando rebocado em Lookout, eu estava com muita saudade de ir para o topo de uma rampa de interior. É o que eu conversava com o Konrado: o vôo rebocado é muito conveniente e produtivo, mas todo o clima de tirar o dia para subir uma rampa, armar a asa, esperar o momento propício tendo que extrair o máximo daquela que será sua única chance no dia, tudo isso compõe um clima impossível de substituir.

Pelas conversas durante a festa da noite anterior, a previsão de vento era de SE e a rampa indicada seria a de Whitwell, a cerca de uma hora da rampa de Lookout, num vale aproximadamente paralelo ao vale de Lookout. Este vale é bastante famoso em termos de vôo-livre nos EUA. Chamado de Sequatchie Valley, este vale foi um dos berços do vôo de asa-delta nos EUA e existe toda uma cultura local em torno da asa. Isso é muito legal de ver. O vôo de asa é respeitado na comunidade, os pilotos são responsaveis e se preocupam com a manutenção dos locais de decolagem, procurando incomodar ao mínimo possível os moradores das vizinhanças das rampas e dos pousos. A associação de vôo-livre local é chamada de Tenessee Tree-Toppers (http://www.treetoppers.org/) e é uma das mais antigas dos EUA. "Tree-toppers" faz alusão a voadores de "topo de árvore", expressão normalmente associada a pilotos que voam baixo para evitar, digamos, monitoramento de suas atividades nem sempre legais. Mas no caso da asa-delta, às vezes voar baixo sobre árvores é o que nos resta, como aliás seria demonstrado naquele dia.



O Sequatchie Valley se estende por cerca de 80 Km entre as cidades de Jasper até a cidade de Litton, com desfiladeiros bastante parecidos com os penhascos da rampa de Brasília, com gaps semelhantes ao passaporte, e com a decolagem a partir de um platô muito plano. Não foi possível voar acima dos platôs, pois, como veríamos durante o vôo, o teto não permitiria. O desnível é de cerca de 600 mts ao longo de praticamente todo o vale. A rampa de Whitwell fica sobre o trecho do vale onde está a cidade de Dunlap. O vale todo tem apenas duas rampas, a cerca de 30 Km uma da outra: Whitwell e Henson´s Gap. Whitwell fica voltada para o quadrante Sul-Sudeste, em um dos lados do desfiladeiro, enquanto que Henson´s Gap está voltada para o Norte-Noroeste. Com isso, o lado do desfiladeiro onde fica a rampa de Whitwell tende a começar a exibir atividade térmica mais cedo, enquanto que Henson´s Gap se aproveita melhor da atividade térmica na parte da tarde.

Abaixo o visual da rampa de Whitwell, que para falar a verdade não é bem uma rampa. É mais um gramadinho que termina num degrau de pedra razoavelmente plano. É uma decolagem técnica pois há pouco espaço para correr. Deve ser melhor decolar de lá com vento forte, no entanto isso gera outro problema, o vento não é muito laminar no degrau e faz-se necessário auxílio cabo com qualquer vento de mais de 10 kt. Na terceira foto temos o panorama olhando para baixo a partir do degrau. Dá para perceber que é um paredão de pedra então o vento não entra muito bem mesmo. Pelo menos o desnível abaixo da rampa é bem confortável para qualquer necessidade de recuperação. Aliás eu bem que precisei desse perdão...






Quando eu Konrado e Mike Barber chegamos na rampa, cerca de 5 outros pilotos locais já estavam montados, entre eles Terri Presley, que faria o vôo conosco. A maioria dos pilotos voava asas intermediárias, e apenas Terri e nós estávamos voando de top-less. Aliás aquele seria meu primeiro vôo com uma Litespeed RS 3.5, que o Mike estava me emprestando. Depois de Uma semana voando de bacalhau eu iria passar direto para a asa mais arisca da linha da Moyes, então botei na cabeça de que teria que estar atento com a preparação do vôo. Montamos sob pressão pois todos estavam falando que a hora era aquela e que depois ficaria ainda mais fraco. Consegui montar a asa e entrei na fila atrás do Konrado e do Mike.

Konrado levou muito tempo para decolar. Dois americanos estavam dando um auxílio-cabo pois o vento havia aumentado um pouco. Eu estava ansioso, achando a asa do Mike muito pequena, apreensivo com a decolagem. Mas a decolagem do Konrado foi ótima e ele pareceu ter tomado uma baforada para cima chegando a ficar momentaneamente mais alto do que a rampa. No entanto, ele optou por voar para a esquerda, ao longo da cordilheira e vimos que ele foi perdendo altura ao longo do barranco e só parou para enroscar a uns 5 km dali, mesmo assim sem render muito.

Depois foi a vez do Mike que decolou mergulhando um pouco e novamente recuperando acima da rampa e tirando para onde estava o Konrado. Fiquei ali sozinho com os cabos me dando uma força. Eles são muito técnicos quanto ao cabo e ficam falando "down", "up" e "neutral" relatando as forças que estão sentindo no cabo e possibilitando ao piloto decolar quando os dois lados estejam reportando neutro. Isso é um procedimento que deveria ser adotado no Brasil.

Quando fiquei neutro resolvi decolar, mas querendo imprimir muita energia rapidamente devido à pequena área de corrida, deixei o bico subir demais e acabei decolando meio estolado. Do meu ponto-de-vista, tava tudo ok pois eu sabia que iria recuperar no mergulho e o desnível imediato era mesmo muito folgado, mas eu devo ter proporcionado um certo frio na barriga aos espectadores na rampa! Após o mergulho eu recuperei tudo de volta imediatamente com o vario já berrando com a forte recuperação, e eu também fui mais alto que a rampa, quer dizer, mesmo levando em conta o efeito ascendente do vento ali na frente, a retenção de energia dessas asas top-less é realmente impressionante. Logo notei que a Litespeed RS era ainda mais dura do que minha Litespeed S, com certeza devido à sua maior razão de alongamento (aspect ratio). Minha idéia desde a decolagem era de rodar na cara da rampa, eu ainda não tinha entendido porque o Konrado e o Mike tinham se afastado da rampa tão rapidamente.

A foto abaixo mostra bem como é crítica a decolagem em Whitwell. Esta foi tirada pelo Konrado e mostra exatamente o ponto onde consegui minha primeira térmica.



Uma pequena digressão: na minha experiência é curioso notar que as rampas 90% das vezes, são locais de gatilhos de térmicas. A éxplicação razoável para isso seria pensar que é por isso mesmo que resolveram fazer rampas nesses lugares. No entanto sabemos que muitas vezes os locais de escolha de rampas dependem de acessos por estrada, autorizações, etc, então nem sempre é um lugar escolhido a dedo. Mesmo assim, muito mais frequentemente do que não, temos uma house-thermal morando ao lado das rampas. Talvez elas gostem de morar ao lado das rampas, ou talvez os pequenos descampados que são feitos para o local da rampa tenha algum efeito secundário, enfim, sei lá...

Com esse pensamento eu quis ao menos experimentar o ar em torno da rampa antes de sair percorrendo o costado do desfiladeiro, e conforme esperado, eu engatei em alguma coisa fraquinha logo ali ao lado. Depois da minha decolagem ousada, eu não queria mostrar aos pilotos que ainda estavam na rampa que pilotos brasileiros são meio nuts, então eu me abstive de dar uma primeira enroscada muito próximo ao terreno, mas acho que, se o tivesse feito, teria aproveitado ainda melhor esse start. De qualquer forma o importante era que eu estava ganhando enquanto que Konrado e Mike estavam abaixo de mim, ciscando térmicas. Fiquei por ali algum tempo até que vi o Mike voltando e para minha surpresa ele dispensou minha térmica passou de passagem pela rampa e foi para o outro lado, para a direita da rampa.

Nessa hora minha térmica ameaçou falhar e resolvi tirar para cima do Konrado esperando chegar com folga em cima dele, mas rapidamente afundei pelo caminho e percebi que teria que prestar atenção para poupar altitude. De fato aproveitando linhas de lift ao longo do penhasco pude chegar em cima do Konrado e fomos derivando pelo penhasco sempre catando um sinal de térmica mais forte. Nessa hora, outros pilotos já tinham decolado e colocado bem mais altura, perto da rampa. Talvez se eu tivesse ficado mais tempo na rampa... Mas o negócio é ir tirando e a concentração agora era para atravessar o primeiro gap do caminho, muito semelhante ao de Brasília, como se fosse um reflexo no espelho desse, ou como se o atravessássemos na direção inversa, pois este ficava do lado esquerdo.


Antes de chegar no gap consegui ficar bem mais alto e assisti o Konrado atravessando baixo e chegando do outro lado bem mais baixo ainda. Enquanto isso Mike avisava pelo radio que estava muito baixo, ainda perto da rampa, e com chances de pousar. Achei melhor tirar para o meio do vale do que tentar atravessar o gap, pois o Konrado havia mostrado que por ali a coisa não estava muito boa. Fui perdendo altura rapidamente e cheguei a ficar a 150 mts do chão, com o cinto aberto, sobrevoando um belo pouso numa fazenda. Só que eu escolhi essa fazenda por três motivos: 1) Tinha um arado e depois uma floresta, 2) tinha dois altos silos metálicos e 3) tinha um laguinho ao lado dos silos. A teoria me ajudou, de fato fui resistindo num zero a zero por ali por uns 5 minutos até que comecei a organizar minha ascenção em meio a uma térmica que foi ganhando força e me tirando dali. Fechei o cinto e estabilizei, derivando junto com a térmica. Térmica de flat, uma delícia, fraquinha, mas foi colocar a RS como um compasso e deixar o vento me levar.

Tenho usado como auxiliar para as centralizações nas térmicas, a tela de mapa do Compeo. Ao aumentar o zoom a ponto de mostrar o cursos da asa bem de perto, é possível acompanhar o desenho que nossos círculos vão traçando, montando uma espiral. Através da añálise desses círculos fica fácil deduzir a derivada da térmica e reposicionar caso se perca o sweet spot. Isso foi bastante útil nessa térmica.

Nessa hora vimos um planador passando voando bem baixinho e ameaçando juntar-se à nossa térmica, perspectiva nunca muito confortável, mas logo ele seguiu o caminho dele. Essa foto do planador tambem foi tirada pelo Konrado.


O dia estava lindo, eu estava subindo, derivando a favor, o Konrado que tinha conseguido se sustentar estava baixo um pouco mais à minha frente e fazia o trabalho de busca térmica para mim, o Terri Presley venho para cima de mim e ficou rodando junto comigo sempre mais alto. Ele se aproveitava do Konrado e de mim. Konrado acabou desistindo de puxar o bonde e voltou para nossa térmica. O Mike chamou pelo rádio dizendo que estava de volta ao jogo, alto ainda na cordilheira inicial e jogando para onde nós estávamos. Apesar de ele ter tirado de lá bem alto, as descendentes no caminho o fizeram chegar mais baixo do que nós, depois que já havíamos tirado para o próximo ponto.

Para tirar para a próxima térmica foi a vez do Konrado optar pela teoria. Dizem que sempre há térmicas sobre campos de feno com aqueles cubos de feno empilhados. Havia um descampado com esses montes de feno, já um pouco mais próximo da cordilheira oposta e ele jogou lá e encontrou outra térmica. Para lá fomos também eu e o Terri. Enchemos o tanque até ficarmos mais altos do que a cordilheira oposta e o Konrado estava mal-intencionado pensando em jogar para cima do platô onde havia algumas formações de nuvens com teto alto, mas essa condição parecia estar muito longe, e estava mesmo. Logo nos conformamos a continuar beirando o penhasco a favor do vento. Um pouco mais à frente estava o pouso oficial da outra rampa, Henson´s Gap e o Konrado falou para a gente ir pousar lá. O problema é que eu não conseguia ver o tal pouso oficial. Resolvi dar uns bordos fora da borda do penhasco e logo fiquei mais baixo do que queria. Como ainda não tinha conseguido descobrir aonde era o pouso oficial acabei optando por pousar num enorme campo ali perto. Uma pena, pois todos os outros pousaram no oficial que era de graminha sombreada enquanto que eu desmontei sozinho num sol de rachar. A foto abaixo mostra Terri, Mike e Konrado no pouso oficial. Eu estava a 2 km dali. A fotos é do Konrado.


No final do dia, depois de encarar uma mex-food com outros pilotos que haviam voado de Henson´s, subimos para a rampa pois iríamos acampar no alto da rampa e tentar dar outro vôo de lá no dia seguinte. Muito astral demais poder dormir no topo da rampa acampado. Talvez só em Andradas haja possibilidade de fazer isso com conforto no Brasil. Não é um programa que eu ouço falar por aqui, mas lá nos EUA, pelo menos nessa rampa de Henson´s Gap, talvez por ela ser sede do TreeToppers, havia uns 50 pilotos acampados na noite de Sábado, prontos para decolar no dia seguinte. Vejam só que astral acampar com as asas montadas ao lado!


As fotos abaixo mostram a fantástica rampa parabólica de Henson´s Gap, recém-reformada e muito bonita. Foi um belo pôr-do-sol também.



A barraca do Konrado foi montada tão na beira que se ele rolasse muito de noite era capaz de decolar sem asa!


Os amigos celebrando mais um dia inesquecível de vôo livre!


Os dados deste vôo estão disponíveis no seguinte link:

http://www.xcbrasil.org/modules.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=7771

No comments: