Era um dia que tinha todas as condições propícias para o vôo. A massa de ar seco que cobria a cidade há quase uma semana não dava mostras de querer ir embora e continuava provocando condições estratosféricas todos os dias. Era fácil apostar que na hora mais quente a temperatura atingiria 38 graus, transformando a baixada fluminense num imenso caldeirão. Sendo assim, não houve jeito, tiramos a 6a-feira para apostar na rampa de Petrópolis!
No caminho os planos maldosos não conseguiam mais ser disfarçados: com aquela altura de base de nuvem que já víamos se formando às 11 da manhã - 10 da manhã do horário do sol - não parecia haver dúvidas de que uma travessia Petrópolis - Rio estava dentro das possibilidades!
Ao chegar na rampa tudo era promissor, as formações, um leve vento Norte-Noroeste que não chegava a atrapalhar a decolagem, pois os ciclos eram suaves, possibilitando que o vento entrasse ocasionalmente de frente, na rampa de grama.
A primeira leva de pilotos a decolar foi: Geraldo Nobre, Sadia, eu e Glauco. Todos nós nos encaixamos confortavelmente numa térmica forte e lisa que nos levou a 2.000 mts na base das nuvens! Tudo tão rapidamente que parecia que o voo seria moleza!
Nesta foto a cidade de Petrópolis formando um belo pano de fundo para a térmica mais lisa que já peguei naquela região:
Quando cheguei na base da nuvem, fui tirando para a frente da cordilheira procurando não entubar, e optei por seguir diretamente na direção da ponta do Tinguá, voando à esquerda da barbatana da serra. Na próxima foto, abandonando a térmica bem próximo à base da nuvem:
Naquele momento percebi alguns sinais importantes. Uma asa de extra-dorso branco que havia tirado por cima da BR na direção do pedágio estava ficando baixa. Imaginei que o piloto tivesse voado muito à esquerda, e reparei que as fumaças no fundo do vale, que antes se mostravam quase verticais, começavam a correr de Leste.
Presumi então que o melhor caminho seria ao longo da cordilheira, pela direita, o lado de barlavento da serra, aproveitando o lift que deveria estar sendo gerado pela brisa de leste. O vento, além de prover sustentação, poderia engatilhar as térmicas do caminho e fazê-las subir pela parede da cordilheira. Eu estava olhando para o seguinte cenário:
Na verdade a primeira térmica tinha sido tão boa e tão definida que eu não estava nem um pouco preocupado com a perspectiva de não encontrar outras no caminho. A serra estava formada e, para tudo parecer ainda mais perfeito, um longo cloud street ligava a ponta do Tinguá à Serra de Madureira (Nova Iguaçu). Pela razão de planeio que eu vinha mantendo, imaginei que chegaria com folga, diretamente abaixo do cloud-street. Além disso eu tinha a certeza absoluta de que debaixo daquele céu formado, logo ali ao lado da serra, eu encontraria alguma térmica no caminho!
Nesta próxima foto podemos ver o famigerado e ultimamente inatingível, ao menos para este que aqui escreve, cloud-street. Levemente alinhado de Noroeste-Sudeste e derivando de Oeste para Leste. Meu plano parecia estar funcionando: as nuvens se encontrariam comigo assim que eu atingisse a ponta do Tinguá:
Vista de cima, acho que a situação era mais ou menos essa:
Acho que se o vento entrando de Leste realmente fosse uma massa de ar digna de ser chamada de "frente de brisa marinha" a situação tridimensional deveria ser algo como mostra a figura abaixo. O problema é que eu não imaginava que a massa de ar frio fosse preencher o vale tão rapidamente. Enquanto eu tirava na direção do cloud-street fui rapidamente envolvido pelo ar estável, de onde ninguém mais conseguiria sair naquele dia. De fato os pilotos que deixaram para decolar 15 minutos depois da primeira leva, depois de terem que esperar muito tempo até que entrasse um ciclo de vento frontal, mal conseguiram superar os 1.300 mts, mesmo na termal poderosa da rampa.
Relativamente alheio ao fato de ter entrado numa massa de ar da qual não dava para sair, eu ia caprichando no planeio à frente! Na próxima foto a asa com a marcha toda esticada, e minha posição toda encolhida. Eu tirava para baixo do cloud-street com a certeza de que teria altura para chegar abaixo das nuvens formadas entre o Tinguá e Nova Iguaçu. Meu planeio estava realmente excelente e consegui chegar embaixo destas formações ainda a 700 metros do solo. Continuei tirando por baixo do cloud-street esperando ansiosamente o pio do variômetro, mas nada acontecia. E nada. E mais nada. Resultado: final prematuro do voo...
O Glauco, que me seguiu neste planeio, provavelmente incentivado por minha firmeza em tirar reto para a frente, deve ter tentado manter-se próximo a mim, porém perdeu mais altura do que eu. Se eu pudesse tentar adivinhar o motivo de eu ter chegado ao final do planeio cerca de 200 mts mais alto do que o Glauco, eu diria que é porque eu sou 10Kg mais pesado, e para conseguir andar na mesma velocidade que a minha, ele tem que acelerar acima da velocidade de melhor planeio de seu conjunto asa-piloto.
Um piloto mais pesado sempre vai planar mais rápido do que um mais leve, considerando equipamentos semelhantes, assim, mesmo que a razão de planeio seja a mesma, o mais pesado chega antes. É bom ter isso em mente quando tentar seguir um piloto mais pesado do que você! Meu planeio foi de 15:1 e de fato foi suficiente para chegar embaixo das lindas formações. Reparem nas sombras das nuvens enormes que estavam acima de minha asa. Pena que a diversão estivesse 1 Km a Oeste dali.
Quando soube que o Geraldo tinha feito um voozaço-aço-aço, vindo quase até a Barra da Tijuca e voltado para Petrópolis, fiquei curioso para ver a rota que ele havia escolhido. E de fato, se observarmos as trilhas minha e do Geraldo veremos que ele, por ter escolhido uma rota um pouco mais a Oeste, se manteve dentro da massa de ar instável o tempo todo. Na verdade eu diria até que ele conseguiu surfar a borda da frente de brisa marinha, que inclusive favoreceu mais ainda a condição de Norte-Noroeste na camada de cima. Uma pequena diferença de cerca de 1 Km para a direita ou a esquerda fez toda a diferença neste voo. Outro fator que favoreceu a decisão dele foi o sol da tarde, que foi progressivamente aquecendo cada vez mais as faces Oeste da cordilheira. Quando ele chegou no Tinguá, pegou o cloud-street pelo lado Oeste enquanto que eu afundava sem parar do lado Leste, muito próximo em distância, mas muito, muito longe em termos de energia. Esta figura mostra minha trilha em vermelho e a trilha do Geraldo predominantemente em azul.
Parabéns para o grande Geraldo, um dos melhores analistas de condição deste esporte, em nível mundial, ainda mais em Petrópolis, seu quintal de casa! Mas a lição foi aprendida: fumaça entrando de Leste em Petrópolis requer precaução e caso se entre na camada estável não adianta nem tirar para a frente que vai acabar pousando na roubada. Na foto abaixo eu faço exatamente isto! Ainda sem acreditar que o voo estava acabando ali eu me preparo para fazer um pouso e resolvo usar o arrasto para tirar um pouco de planeio da asa, pois o vento estava muito indefinido. Arremessei o arrasto a baixa altura e não sei se ele chegou a abrir totalmente ou se ficou como aparece na foto.
Tudo o mais considerado, foi um voo de grande aprendizado!!
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4 comments:
Parabens pela leitura da condição e pelo vôo.
Obrigado pela aula hehehehe.
Bons Vôos
Renatinho
Muito bom Fabiano, uma aula e tanto!
Parabéns,
Octavio
Nossa!!! Isso que é uma postagem de qualidade. Parabéns e continue com essas contribuições para o nosso voo livre.
Abraços,
Giovani
Amigos Renatinho, Fiães e Giovani: obrigado por seus comentários e fico muito feliz que tenham gostado! Este feed-back é sempre a maior recompensa pelo trabalho que tenho em fazer os posts!!
Não sei se as coisas se passaram exatamente como descrevi, mas conversando com o Geraldo ele concordou que foi mais ou menos isso mesmo!
Voar é demais e compartilhar com os amigos é quase tão bom quanto!
Abs,
Fabiano
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