Aquela ida para Andradas tinha um clima de repetição... O céu cinzento na saída do Rio e muita chuva no caminho me faziam temer uma reprise da semana da etapa do Campeonato Brasileiro de Andradas, onde as chuvas praticamente não haviam dado trégua.
Eu tinha apostado minhas fichas em que, após 15 dias de chuvas quase ininterruptas na primeira quinzena de Novembro, não era possível que o tempo não abrisse um pouco. Novembro, apesar de ser no meio das chuvas de verão, costuma apresentar janelas de tempo muito bom e eu acreditava que uma dessas janelas poderia abrir após a frente-fria que se despedia do sul e ainda causava chuvas em Minas e no Rio.
Ao chegar em Andradas à meia-noite entrei no quarto do Palace Hotel reconhecendo aquele cheiro do quarto durante o brasileiro, mistura de eucalipto, umidade e mofo, e não pude deixar de ficar apreensivo. E se a frente fria ficasse estacionária como no Brasileiro?
Mesmo assim, fui dormir otimista, pois a previsão do tempo mostrava que, ao menos no Sul, a massa de ar quente começava a dominar... Alguma hora isso tinha que chegar até Andradas.
No dia seguinte acordo, abro a janela e...decepção... o teto abaixo da cordilheira, tudo molhado... Sensação de "dejá-vu" lembrando do Sidney abrindo a janela do quarto durante o brasileiro e vendo a mesma cena todos os dias, aquela cordilheira encoberta... "Que delícia!!" exclamava o incorrigível otimista "Espetáculo!" e voltava pra cama dele pra dormir!!
Tudo bem já havíamos programado um "ground school" anterior ao primeiro vôo. Uma conversa para avaliar meus conhecimentos e explicar o método que ele usava. Fomos para a Pousada do Gavião e ficamos ali conversando por horas sobre formatos de térmicas, técnicas de centralização, rapidez na tomada de escolhas, necessidade de seguir as instruções dele imediatamente para não desperdiçar o dia de vôo com um pouso prematuro!
Essa, aliás, é a principal vantagem de fazer a instrução com aerotow, como ele desenvolveu na Florida. Com o aerotow você pode perder, pousar e subir de novo, com isso ele pode coordenar até 4 alunos de uma vez. Na decolagem de rampa a gente só tem uma chance por dia. Considerando o custo de toda a operação envolvida nessa viagem, isto tornaria cada vôo bastante crítico para o sucesso da viagem. Nossa janela era de 5 dias e eu estava determinado a não bobear!
O tempo ameaçou dar uma melhorada, azulando na direção de Poços de Caldas. O teto subia ligeiramente e um pouco de céu azul dava para ser visto na direção da cordilheira! Finalmente decidimos subir. Ao chegarmos na rampa uma surpresa agradável, outras 4 asas estavam montadas. Era o Fabinho de Andradas e um pessoal de Santa Catarina: Joel, Silvio e a Belém que aparece na foto ao lado com sua bonita asa, uma Litesport 3.5 que foi a primeira Litesport neste tamanho entregue em produção pela Moyes!
Montamos nossas asas com calma, conversando sobre reconhecimento dos padrões da condição. A idéia é sempre aguardar o primeiro sinal positivo de lift antes de decolar, mas não decolar depois desse sinal, mas sim esperar para que o sinal se repita com regularidade e tentar encaixar a decolagem no ínicio de um ciclo como esse.
Estávamos prontos para a decolagem por volta das 16hs, ou 15hs da hora solar verdadeira, devido ao horário de verão. Vento frontal levinho na rampa sul. Mike decolou na frente e mostrou que havia sustentação à vontade.
O tempo estava nublado, teto por volta de 2.200mts, mas no final do vôo já era possível divisar formações de cumulus e o teto subiu mais um pouco
Fizemos um vôo local de 2 horas muito bonito, acompanhados aqui e ali pelas outras asas, que aproveitaram para também tirar uma casquinha das térmicas indicadas pelo Mike.
Este vôo foi excelente para o primeiro dia do curso, fundamental para Mike poder colocar em prática seus ensinamentos e pouco a pouco ele ia me falando tudo que eu estava fazendo errado. Para que não está habituado ao estilo dele, pode parecer até que ele está zangado com a gente, mas como ele mesmo diz repetidamente ele depende da palavra mágica "AGORA!" pra fazer a coisa funcionar, então ele não deixa passar falhas, corrige na hora, o tempo todo!!
Então era só rodar um pouquinho fora do lugar e ele gritava "Turn! Turn! AGORA!" e lá ia eu. Ou quando eu passava da térmica e ele gritava "Where are you going? You just lost 30 meters! Come back! Turn! NOW! AGORA!" E lá ia eu obedecendo!! De repente o Mike sumia, cadê ele? Tava lá no alto, tinha botado 2500 mts, eu tentava ganhar mas não conseguia, ficava por ali boiando no lift sem engatar na térmica correta e ele entrava no radio:
-Fabiano, a tua térmica tá evoluindo?
-Não
-Então o que que você está fazendo aí parado?? Get outta there! NOW!
Eu ia para outro lugar e quase sempre de fato havia outra térmica melhor evoluindo e eu engatava e começava subir mais rápido, olhava pra cima pra procurá-lo mas ele tinha sumido.
Entra de novo a voz dele pelo rádio: "bota a mão esquerda mais pra esquerda, aproxima a cabeça do canto da barra". Eu olhava para o alto mas não o via, e estava pensava "como é que ele sabe aonde que eu tô com a mão pombas?" É porque ele já tinha rodopiado pra baixo e estava voando atrás de mim! Ele faz isso várias vezes!
- Fabiano você está glissando, empurra a barra de comando pra frente um pouquinho!
- Ok!
- Empurrou demais, volta um pouquinho
- Ok!
- Agora faz a posição de high-side que eu te ensinei
- Ok!
- Now you´re looking like a pro
- Gotta look good Mike!
No final da semana eu já tinha me acostumado com a voz que parecia vir do além dando ordens: "faz isso, faz aquilo!" Fantástico!
Naturalmente não é sempre que o vôo permite tanto conforto quanto permitiu nos dois primeiros dias onde a cordilheira era como uma bóia no meio de uma piscina de oportunidades. Isso possibilitava que discutíssemos possíveis gatilhos de térmicas, então ele partia na frente para ver se funcionava. Eu partia depois e como ele chegava primeiro ele podia me dizer se havia conseguido alguma coisa, caso contrário eu voltava imediatamente para a cordilheira e a gente rediscutia as opções!
Depois de 2 horas de vôo eu estava enroscando nas térmicas com muito mais facilidade e subindo de forma muito mais eficiente! Ainda tentávamos explorar fora da cordilheira mas realmente neste dia só a cordilheira funcionava! Mike tirou para o pouso falando que ia pousar na frente para avaliar minha aproximação e meu pouso.
Ok, sem querer errar, mas também sem querer fazer nada diferente do que faço normalmente para ele poder de fato me corrigir, vim para um pouso muito fácil, na verdade meu melhor pouso até hoje no pouso sul, arredondando perfeito, em frente à árvore. Onde todo o resto da galera já tinha pousado.
Pouso Perfeito? Fui advertido de que eu tinha dado uma arrastada com o pé no capim, e que isso poderia ser perigoso caso o capim escondesse algum torrão de barro, raiz, etc. "Você tem que imaginar que o chão está meio-metro acima do capim e fazer o pouso meio-metro acima, não vai mudar nada mas você se livra de um risco de torcer o calcanhar". Ok, anotado. Conviver com Mike Barber é assim, você aprende um pequeno detalhe que melhora teu vôo o tempo todo. Armandinho falou bem: tem que andar com um caderninho!!
Na foto acima desmontamos satisfeitos. Um bom começo para a semana!
No dia seguinte o céu amanheceu azul e logo várias formações sobrevoavam Andradas. Na rampa, um vôo parecido, só que o vento, novamente frontal na rampa sul, estava bem mais forte. O céu ainda bastante encoberto já mostrava que ia abrir mais. O vento estava forte mas esperávamos que ele fosse diminuir. Isso acabou não acontecendo. Na verdade o vento estava aumentando constantemente, até que os breves ciclos de diminuição de vento pararam e o vento ficou cada vez mais forte e constante no máximo a 25 Km/h
Na foto abaixo Joel e Silvio dão um cabo na minha decolagem. O vento forte na decolagem bem inclinada do pouso sul fazia um rotor na cauda da asa e era difícil mantê-la com a inclinação correta. A asa começava a flutuar no ombro e embicar pra baixo. Seria o caso de um terceiro ajudante na quilha. Acabou não sendo necessário pois o vento era muito constante, depois de botar a asa no ombro umas 3 vezes, botei no ombro já em movimento e saí voando no 2o passo!
Dessa vez eu estava bem mais afinado e meu vôo foi bem mais eficiente. Apesar de as formações estarem melhor definidas, continuávamos não encontrando nada abaixo das nuvens que surgiam sobre o vale sul, afastadas da cordilheira.
Mike chegava a tirar bem longe, ficava catando e ficava tão baixo que eu achava que ele ia pousar mas ele sempre achava alguma coisa suficiente para voltar à cordilheira e logo estava a meu lado de novo. Ficamos nessa, não havia tirada a fazer, mas mesmo assim foi mais um excelente treino pois conseguíamos nos afastar bastante da cordilheira e pude fazer comparações na performance de meu equipamento com o dele. Na verdade eu não tenho mais desculpa nenhuma, a asa dele é super regulada, e nós pudemos comprovar que eu não devia nada em relação à ele na tirada.
Melhor do que isso, voar na Litespeed S 4 tem sido realmente uma experiência maravilhosa. A asa é simplesmente um sonho!
Continuamos o exaustivo mas recompensador treinamento por uma hora e meia e depois fomos para o pouso. Dessa vez não pousei tão bem e o motivo foi que devido ao vento mais forte eu tinha que ter acelerado bem mais.
A galera de Santa Catarina ainda estava na rampa esperando o vento diminuir e finalmente decolaram. Quando saímos do pouso sul às 18hs eles ainda estavam alto, pra lá e pra cá, depois nos falaram que só pousaram às 19:30hs tendo assistido o por-do-sol no ar! Armandinho ia chegar naquela noite e no dia seguinte a intenção era ir para a tirada pois a condição estava claramente evoluindo!
1 comment:
Obrigado Bito!! Você tem que avisar quando estiver lá!! Vamos voar juntos irmão!! Abs!
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