Sunday, June 08, 2008

Domingo em Nova

Fui dormir no Sábado às 3 da manhã, já pensando que não teria disposição para acordar cedo no dia seguinte e encarar um vôo. Mas meu subconsicente estava com vontade de voar, pois acionou meu despertador interno pontualmente às 9:00 da manhã de um Domingo ensolarado e com previsão de vento N-NE fraco. Depois de cochilar um pouco na sala vendo a corrida da Moto GP, e sabendo que a partir das 10 da manhã iria ser transmitida a final de Roland Garros, fiquei até com preguiça de sair de casa. Mas, ao terminar o café, vi que o Ênio já tinha me ligado para botar pilha. Liguei de volta e ele foi logo cantando a situação: embarque imediato para Nova Iguaçu! Bem, agora, não seria só um vôo comum, mas sim partir para a aventura de subir a Serra do Vulcão naquela famigerada estrada... Não tive nem desculpa para dar: o Ênio falou que me buscava em casa. Sucumbi à alternativa de um cansativo Domingo de aventura. Espetáculo, bem, se é para ir, então vamos com tudo!

No caminho, tudo azul, com a inversão outonal aprisionando a névoa seca que sujava de marrom a camada mais baixa. Ao menos o sol estava quente e, ao chegarmos em Nova por volta de meio-dia, levíssimas formações, ainda esfiapadas, ameaçavam aparecer acima da Serra do Vulcão.

Na última vez que eu tinha voado em Nova, tinha subido a estrada em meu carro, sem maiores problemas. Dessa vez eu sabia que a estrada estaria pior, mas não imaginava que estivesse tão ruim assim! Pode listar aí: Mitsubishi Pajero, L200, Toyota Hilux, Land Rover, esses carrinhos de luxo podem até completar o Paris-Dakar, mas para chegar ao topo da Serra naquela estrada não dão nem para saída. É sério, carro valente de verdade são essas gaiolinhas! Quando eu vi o jeito daquele buggy depenado e barulhento, desconfiei, mas até achei que daria para subir a serra. Quando carregaram quatro asas, quatro cintos, e mais seis cabeças em cima daquela máquina singular, eu desanimei um pouco, ainda assim, otimista, pensei que se não estivesse tão ruim a subida, talvez até desse para chegar na rampa.





Já quando eu vi a situação do começo da estrada, tive certeza de que não chegaríamos... Só que rapidamente essa preocupação de não chegar passou a dar lugar à outra preocupação mais premente: sobreviver à subida!


Subidas íngremes, secas, esburacadas, pedregosas, tínhamos que saltar do carro para subir alguns trechos impossíveis. O exímio Carlinhos fazia milagres na pilotagem e o carrinho ia subindo! Inacreditável! Vez ou outra a gaiolinha não aguentava e morria. "Bota o calço, bota o calço!" instruía o Carlinhos, e tome pedroco debaixo do pneu, para evitar que a caranga deslizasse para o barranco e também para depois fornecer um apoio inicial para a retomada.



Três passageiros do lado de dentro e três meio dentro e meio fora. É difícil saber quem sofre mais, se são os passageiros do lado de fora, que vão levando lama na cara e sendo arranhados por galhos nas costas, e ainda por cima têm que saltar quando o motor sobrecarrega; ou se são os passageiros do lado de dentro, que suam frio torcendo para que a gaiola não caia fora da estrada com eles dentro.



Cheguei a comentar que a suspensão era macia, e até era mesmo, mas numa manobra mais brusca um dos passageiros deu uma cabeçada tão forte no Santo Antônio que quase acabou sendo a primeira baixa do grupo. O Carlinhos comentava que a piot parte ainda estava à frente, eu achei que ele estava só brincando, mas era verdade pois, depois do trecho seco, veio o tal "sabão", trechos escorregadios que reservavam novas emoções e alguns banhos de lama. Estrada estreita, barranco altíssimo do lado direito, a galera que vai do lado de fora fica quase com o corpo pendurado no abismo. A galera do lado de dentro reza escondido para o carro não parrar na subida e nem patinar em direção ao barranco, afinal viemos aqui para voar com as asas montadas... Nessa hora a vontade que dá é de ir mesmo andando a pé do lado de fora.

Chegando à rampa, com os cumprimentos ao nosso condutor de gaiola, a condição estava melhor do que parecia, as formações começavam a tomar corpo e alguns urubus rodavam na cara da rampa.




Montei a jato. Estou ficando bom nisso. Em 20 minutos asa montada com o cinto enganchado nela, com radio, agua, celulares, enfim, tudo em cima. Uma asa com king decolou e ganhou com certa facilidade, oba pelo menos vai dar um vôozinho!

Olha, não é por nada não, deixando de lado minha modéstia vou declarar que minha asa sempre é a mais linda da rampa! Esse tecido fumê com o amarelo e laranja por baixo e a gaivotinha da Moyes branca projetando sua sombra no pano de baixo realmente são demais!


Ênio decolou à minha frente e pegou lá fora, à direita, decolei em seguida, com um auxílio cabo na asa esquerda, e fui perdendo forte até entrar nessa mesma termal do Ênio e rapidamente deixar a rampa lá embaixo e ir tomar um pouco de ar fresco lá no alto. Entre uma e outra térmica, fui chegando até 1.350 mts o que equivaleria praticamente à base da nuvem, só que raramente havia nuvem para se estar na base. As formações derivavam velozmente para trás da rampa e logo dissipavam. Ficamos ali uns bons 20 minutos, todo mundo ficando alto mas ninguém indo pra lugar nenhum, porque de fato não parecia haver lugar bom para ir. Como só eu estava de rádio, não dava para coordenar uma navegação com os outros.



Finalmente uma asinha verde tomou o rumo da cordilheira em frente, e corajosamente iniciou o cruzamento daquela faixa de céu azul tentando atingir a Serra de Petrópolis. Eu estava mais alto do que essa asa - que, depois vim a saber, era o José Paulo - e resolvi partir atrás, na marcação. Ocasionalmente ficava mais alto ou mais baixo do que ele. Nosso rumo era NW e o vento NE entrava cruzado pela direita, mesmo assim nossa velocidade no solo era de cerca de 50 Km/h. Fomos avançando bem e sustentando razoavelmente, na direção de uma fumaça. Mas as perspectivas não eram boas: sustentava mas não subia, e de vez em quando perdíamos muito. De repente ficou óbvio que insistir no cruzamento do azul seria pousar dali a pouco. José Paulo virou de volta para a Serra do Vulcão enquanto que eu resolvi derivar com o vento e encostar no Marapicu. Fui escalando esse morro quase literalmente de tão abraçadinho no terreno, até livrar uns 150 metros do pico.


Nessa hora tinha que tomar uma decisão. Ficar por ali mesmo ou jogar para trás do Marapicu, ainda baixo, para tentar continuar no cross. Poucos pousos próximos na direção de jogar para trás. Havia alguns pousos mais para Oeste mas no momento em que eu iniciasse a tirada por cima do Marapicu eles ficariam a contra-vento de mim. Resolvi jogar por cima e experimentar meu L/D do outro lado, para ver se daria para jogar por cima das casas até o primeiro pouso razoável do outro lado. Foi cruzar para o outro lado do Marapicu que entrei em uma descendente muito animal, não tive nem tempo de me preocupar pois acelerei tudo para sair dali! Finalmente minhas dúvidas se dissiparam quando a descendente passou e, sobre a estação de tratamento de água, comecei a subir, ainda que muito vagarosamente.

Derivar na direção certa subindo é sempre um espetáculo! Era a primeira térmica de terreno flat do dia. Que diferença para uma térmica de montanha. Nessas térmicas flats dá para entrar com VG todo caçado, escolher uma velocidade, posicionar o corpo e ficar rodando na ponta dos dedos.

Assim fui em direção a outra pequena cadeia de montanhas onde vários parapas aguardavam para decolar de uma rampa que, de meu ponto de vista, parecia uma colina. Depois soube que era a do Aladim, que, de fato, tem um desnível de meros 180mts. Pulei o Aladim sempre subindo e tirei de novo para debaixo de alguns urubus. Depois fui para o ponto onde tinha avistado um parapa, provavelmente decolado do Aladim, ganhando altura, mas estava bem fraco.
Derivando e subindo fraquinho e eu já estava chegando perto da reserva do Exército que antecede o litoral. Nessa hora meu fiel Compeo passou a indicar que o vento era Sul. Mas quando eu achava alguma fraquinha e rodava por algum tempo, ele indicava N-NW, sinal de que o vento por baixo estava entrando maral, de Sul, enquanto que as térmicas na camada mais alta ainda derivavam de Norte. Nessa hora as térmicas´passaram a exibir uma turbulência vigorosa, provavelmente o encontro do vento Sul com o Norte, e o vôo ficou desagradável. Mesmo assim, se fosse o caso de querer voar mais, ainda daria para ficar ali brigando e ganhando, mas achei melhor prosseguir e escolher um pouso.

Pouso era o que não faltava, todos enormes, mas escolhi pousar perto de um chalé estilo, digamos, braso-helvético, onde conheci seu Norival, vendedor de côcos, que fez questão de me levar um côco geladinho, confirmando assim a sábia escolha daquele pouso.

Pouso legal de Sul, num pasto enorme! Olha a asinha aí de novo, com um piloto satisfeito!



Tá bom o tamanho desse pouso? E com direito a um belo pôr-do-sol, onde raios crepusculares filtravam-se em meio a uma camada de cirrostratus.


Os dados deste vôo estão no seguinte link:

http://www.xcbrasil.org/modules.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=7882